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DÉCIO PIGNATARI – APRESENTAÇÃO DA RETROSPECTIVA NO MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – 1980

expressões e concreções

No pós-guerra, alguns daqueles moços – Sacilotto, Grassmann, Otávio – apresentavam-se com uma marca um tanto insólita, pela sua preferência: o desenho. No desenho, o expressionismo, serviço militar obrigatório da então chamada “arte moderna”. Compareciam como ilustradores nos jornais e revistas; os retratos e cenas pareciam provir de uma escola ou de um movimento organizado, tais as semelhanças e coerências do traço. Felizmente, era apenas a similitude que o convívio e o pique das descobertas trazem. Grassmann e Otávio seguiram o curso natural desse primeiro impulso, na gravura e na pintura, percorrendo as sendas que, em aclives e declives não muito íngremes, conduzem ao surreal e ao mágico.

Sacilotto preferiu outro caminho, talvez mais arriscado, e que, aparentemente, contraditava, senão negava seus inícios. Percorreu-o de maneira rápida e segura, como se se tratasse de um aprendizado que já trouxesse em si o seu destino, tal como a semente do mamão já sabe que não vai ser laranja: do desenho à pintura expressionista, desta à ocupação cubista do espaço, que foi dando lugar ao abstracionismo geométrico, para, afinal, chegar à plataforma daquela que, então, se chamou de arte concreta, hoje um nicho histórico de uma mais vasta e importante reserva eco-artística e que leva o nome de arte construtiva. Onde se encontra Sacilotto, depois de um percurso de mais de três décadas. Os tempos o transformaram nele mesmo.

Sacilotto é um operário avançado da parcimônia pictórica e escultórica. Quando muitos apreciadores de arte já perderam a virtude de ver, consagrando-se à especialidade de apenas reconhecer o que julgam ter visto alguma vez, ou muitas vezes, ele propõe a audácia de reaprender a ver, negando-se a transformar o olho em carimbo. Organizando o espaço com formas elementares, ele ensina o olho cultural a ser “simples como um largo de igreja”, no dizer daquele Oswald de Andrade para o qual a poesia e o tempo se recuperam apenas quando a gente consegue ver a vida com os olhos do primeiro ano escolar.

Que coisa mais simples e primordialmente neolítica do que um pattern de triângulos negros sobre um fundo branco que se trianguliza em signos ao mesmo tempo iguais e opostos? No entanto, uma obra como essa tem a fascinação mesmérica de uma mandala ocidental. Diacronicamente, aí estão o objet trouvé, a op, a conceitual, a minimal; sincronicamente, quanto mais você olha para ela, mais vê coisas e espaços em constantes e inconstantes mutações. É dessa forma que Sacilotto sabe preservar a expressão na construção: insólitos e dinâmicos objetos visuais brotando de uma invariante aparentemente estática, numa espécie de fisionomia estruturada (ver bichinhos nas nuvens). São as formas elementares do parentesco geométrico-visual, os signos primordiais das articulações sensíveis. Justamente o contrário de uma pintura de efeitos. Pois você nada verá se passar por ela os olhos com o carimbo do “já visto”. O sensível não derrotará o mecânico.

Nas esculturas, a mesma economia do sim e do não, do presente e do ausente, do vazio e do cheio: cartilha da visualidade tátil. O preto e o branco, o positivo e o negativo, o espaço ocupado e o espaço desocupado. O respeito à linguagem do material; como se passa do plano a terceira dimensão através da linha…. sem sair do plano. São escrituras-esculturas do neolítico industrial. Totens de um pensamento arquitetônico que tenta organizar a fluidez do espaço e do tempo, mais incorporando-a do que violentando-a.

Passado quase um quarto de século, o mesmo princípio é mantido nas pinturas mais recentes, só que com novos requintes de simplicidade. Uma série de círculos justapostos, mutilados de um segmento de quinze graus, como a sugerir quadrantes de relógios em giro rigorosamente uniforme, gera estranhas configurações orgânicas que surpreendem a própria matriz.

Fluxos de luz/não-luz, recorte metonímico de algum imensíssimo painel gráfico, onde o expressionismo se aliasse ao impressionismo.

Conheço Luiz Sacilotto e sua frugalidade artística a quase três décadas, desde os juvenis tempos heróicos da arte construtiva no Brasil.

Pouco se tem mostrado ao público nestes últimos anos. Por isso, esta sua retrospectiva é uma festa. Que, espero, surpreenda a muitos, como alegra a mim.