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NANCY BETTS – TEXTO PUBLICADO NO DIÁRIO DO GRANDE ABC – 16/02/2003

Além do previsivel

As primeiras pinturas de Sacilotto, como atestam as obras das exposições Os Quatro Novíssimos e Dezenove Pintores, apresentam figuras humanas, naturezas-mortas e paisagens de caráter expressionista. Mas a tendência para a geometrização já se faz presente no plano de fundo das telas.

O encontro com Waldemar Cordeiro foi determinante no percurso de Sacilotto, pois voltou seu interesse para a pesquisa que revolucionou o panorama das artes no Brasil: a arte concreta. Iniciada na década de 50, a partir do manifesto do Grupo Ruptura, do qual Sacilotto foi um dos fundadores, os artistas inspirados por Malevich, Mondrian e Max Bill buscavam soluções estéticas nas quais a geometria ordenava a forma.

O léxico concretista tem como princípios ordenadores a não-figuração e a objetividade, características norteadoras que também regem as estruturas das obras de Sacilotto. Seu procedimento é rigoroso e calculado – módulos, malhas, redes, grades, tramas, rotações, rebatimentos e progressões são os meios pelos quais ele tece o sentido de ordem, clareza e equilíbrio.

No entanto, em inúmeras de suas composições aparece um movimento pendular que provoca uma leitura ambígua entre as relações de cheio-vazio, côncavo-convexo, positivo-negativo e figura-fundo. Essas manipulações de espaço e tempo induzem um retardamento ou uma aceleração no ritmo da obra e todo o rigor matemático é subvertido pela percepção de um efeito óptico e/ou cinético que gera movimentos e ritmos inesperados e surpreendentes. Efeitos que convocam nossa percepção e sensibilidade. O concretismo é transformado em um jogo de prazer que consiste em transgredir o calculado e, assim, ir além do previsível.

Sacilotto sempre manteve o entusiasmo e a emoção quando falava de seu processo, apesar das cinco décadas que se passaram. Uma arte atemporal, como esclarece em um comentário a respeito de suas viagens: “Quando entrávamos (referindo-se a ele e sua mulher, Helena) numa igreja, via as pessoas olharem para o alto, enquanto eu olhava para baixo, para o chão, pois ali estava a arte concreta”. Referia-se aos desenhos nos pisos das catedrais.

Nancy Betts é curadora e professora de História da Arte da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado)