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WALDEMAR CORDEIRO – 1968 – TEXTO DO CATÁLOGO DO 1º SALÃO DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE SANTO ANDRÉ

O REALISMO CONCRETO DE LUIZ SACILOTTO

A ideologia concreta contrapõe aos primitivismos de ontem e de hoje, que choram o paraíso perdido da liberdade instintiva, a ideia da liberdade dentro pela e para a civilização a mais avançada do ponto de vista tecnológico e humanístico, do ponto de vista de uma justiça social atual.

No Brasil o movimento concreto começou no último após guerra, no período que registrou os mais elevados índices de industrialização e urbanização, no decorrer da década 50/60. A disputa acadêmica entre o liberalismo dominante e o socialismo doutrinário era travada nas condições gerais e comuns de uma visão acanhada e provinciana da arte. Ambas as alternativas foram rechaçadas pelos artistas concretos, que partiram radicalmente para a renovação da linguagem visual, e para uma visão da função de artista na sociedade moderna. Essa atitude custou-lhe a inimizade pessoal e a perseguição tanto da parte dos artistas burgueses, denunciados pelo papel hedonístico que representavam (e representam) no mundanismo da oligarquia – assim como parte dos líderes da esquerda política (veja-se a revista “Fundamentos”) muitos dos quais no processo que se seguiu se revelaram pequenos burgueses míopes. Os adversários passaram e a arte concreta ficou.

A arte concreta, portanto, nunca foi resultado de um mero exercício de laboratório. À base da arte concreta está uma opção ideológica brasileira. A participação dos artistas concretos nas lutas culturais destes últimos vinte anos decorre da consciência crítica dos vetores do desenvolvimento da cultura nacional. Os que pensaram que a arte concreta fosse apenas um conjunto de receitas de bolo, sobraram no caminho.

É esse caráter artístico-ideológico que permitiu à arte concreta visual exercer profunda influência sobre poetas e músicos, motivando endereços análogos e soluções interdisciplinares.

Assimilada, utilizada e diluída pelos técnicos da programação visual, a arte concreta desempenhou e continua desempenhando papel importante no âmbito da comunicação visual. Também no campo da arte a sua influência é grande, motivando vários néos e pós. No entanto, através de indivíduos menos perspicazes e ou menos escrupulosos, serviu também para mascarar e propagar subprodutos acadêmicos.

A ideologia concreta se insere dialeticamente na realidade em movimento, tendo produzido várias formas de arte, desempenhando um papel vital mesmo neste momento em que, sob o pretexto da condenação da cultura de massa burguesa, posições artísticas anacrônicas são reeditadas.

Luiz Sacilotto desde o início é viga mestra da arte concreta.

A sala especial de Luiz Sacilotto tem caráter retrospectivo, também reunindo pinturas e desenhos anteriores ao salto concreto. É a biografia visível do artista. É também a expressão de um processo quantitativo e qualitativo marcado pela coerência. Coerência ideológica no tempo e não mera coerência de estilo.

A fase geométrica é caracterizada pela descoberta de uma estrutura topológica e pelo desenvolvimento ótico de suas variáveis possíveis. O plano é desdobrado no espaço tridimensional ocasionando no fruidor a apreensão de uma quarta dimensão.

Com esta fase Sacilotto se torna precursor da escultura brasileira de vanguarda, posteriormente desenvolvida em termos pragmáticos por Lygia Clark e outros. O caráter binário de cheios e vazios, numa intermitência rigorosa e extremamente precisa, quantifica a percepção em dígitos concretos. Na fase das superfícies polidas prensadas, a programação da moldagem mecânica do material, explorado a reflexão da luz, cria a imagem puramente visual. A ambiguidade entre o côncavo material e o convexo ótico ilustra a síntese concreta da realidade geográfica (a coisa como ela é materialmente) e da conduta do fluidor (a coisa como ela é vista).

Mais recentemente, depois de 1964, Luiz dirige sua pesquisa para a decodificação inteligente das aparências do mundo em destruição. A informação é canalizada para a leitura de resíduos de produtos industriais de consumo de massa.

A mostra, subordinada ao levantamento das obras mais significativas, criadas durante vinte anos de trabalho artístico, não abrange as criações recentíssimas e em gestação. Em equilíbrio com o passado, o futuro espera da radicalidade profundamente criativa e combativa de Luiz Sacilotto novos vetores para o desenvolvimento da arte objetiva brasileira.