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RICARDO DITCHUN – TEXTO PARA O CATÁLOGO DO XXVI SALÃO DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE SANTO ANDRÉ – 16/04 A 7/06/1998

Com Luiz Sacilotto e outros signatários do manifesto que fundou o Grupo Ruptura, a arte brasileira experimentou seus primeiros contornos concretistas. Isso no pós-guerra, sob forte inspiração de artistas como Mondrian, Malevich, Max Bill e Kandinsky. Sacilotto foi à Itália integrar a Bienal de Veneza e, no Brasil, cerrou fileiras no MAM/SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo), na mostra coletiva Ruptura. Ao longo dos anos 1950, com agregados ou dissidentes, o Grupo Ruptura fincou os alicerces de uma nova e formidável fase artística. Copiar a natureza – ou abstraí-la – para criar uma obra de arte já não fazia parte das pretensões daqueles jovens arrogantes e visionários.

Este resumo de uma das décadas mais criativas da história da arte no Brasil – uma abreviação injusta, portanto – tem caráter introdutório. Não passa de referencial para a pequena, mas fascinante e significativa, exposição deste andreense de 73 anos. Por meio dela, fica a oportunidade de apreciar algumas concreções concebidas por Sacilotto, além de um exemplar anterior, de 1948, que indica a gestão de um embate no qual as vítimas seriam o figurativismo e o expressionismo. Sobre as concreções, vale lembrar que não são obras para uma simples olhadela. A arte concreta, em função das realidades inéditas que suscita, demanda contemplação. As novidades (articulação de formas, luzes, cores, volumes, espaços e nuances) não se entregam de imediato.

O resultado de qualquer manifestação artística sempre abriga uma surpresa. Com Sacilotto não é diferente. Não convém revelá-la, uma vez que essa leitura, felizmente, será sempre subjetiva. No entanto, algumas características merecem ser ressaltadas.

Em primeiro lugar, uma lembrança. Sacilotto, desde o início dos anos 1950, preservou-se dos ismos que, de tempos em tempos, invadem galerias e museus. A fidelidade aos vetores concretos, longe de representar uma atitude conservadora, tem-lhe garantido a oportunidade de compor uma obra estruturada e sempre inquisitória. Pautadas por elementos tão corriqueiros como o preto e o branco, o positivo e o negativo, a sombra e a claridade ou o cheio e o vazio, suas combinações proporcionam o surgimento de situações virtuais. Reserve um pouco mais de tempo para alguma de suas concreções e perceba a serialização e a repetição rigidamente programadas. Simultaneamente, note a existência de propostas visuais dinâmicas e irresistíveis. Eis a estrutura e a surpresa. Eis a independência.

Além de suas qualidades intrínsecas, o conjunto de pinturas desta mostra pode ser visto como exercício capaz de reeducar o olhar. A obra de Sacilotto – as pinturas ou as esculturas -, longe de ser arte de efeitos, uma experiência que, afinal, resulta na desagradável sensação do já visto, é repleta de sutilezas que afirmam e, ao mesmo tempo, negam.

Mutatis mutandis, as concreções de Sacilotto demandam observadores atentos. Nada relacionado ao franzir de testas dos experts. Sacilotto – o homem e a obra – inspira calma, equilíbrio e harmonia. A elegância das formas e cores planejadas com rigor revela que as aparências imediatas não são suficientes para que as inconstâncias sejam negadas. Com elas, aprendemos a transformação permanente dos fenômenos. Graças a esse dinamismo, Sacilotto, involuntariamente, porém essencialmente, converte-se em agente do humanismo. Ser seu contemporâneo é um privilégio.