Um homem cordial
Em 1963, o News Seller (hoje Diário) começou a publicar, sob meus cuidados, uma página semanal dedicada à literatura e arte. Pouco depois, começou a divulgar a obra de um andreense que participou ativamente do movimento concretista brasileiro: Luiz Sacilotto.
Consciente do papel que representou na arte brasileira dos anos 50, e que continuava representando, Sacilotto parecia uma pessoa arredia, de idéias rígidas e de abordagem difícil.
Em pouco tempo essa impressão se amainou e começou a surgir um sentimento de afeição entre nós. Poucas semanas depois do primeiro encontro reproduzi um auto-retrato do artista, uma monotipia de grande força expressiva. Quando fomos devolvê-lo, Sacilotto falou: “Este fica com você”.
Em 1980, ele realizou uma retrospectiva de sua obra no MAM-SP (Museu de Arte Moderna). Ajudamos a divulgá-la. Após seu término, num encontro para avaliá-la, ele tomou uma das pinturas e disse: “Esta fica com você”.
Começo agora a refletir sobre nossa amizade, que nasceu e cresceu paralelamente a uma relação de trabalho e que resultou na publicação de um livro sobre sua vida e obra.
Mas também tivemos momentos descompromissados, encontros para falar de amenidades, de arte, de viagens, para ouvir música erudita, que ele adorava, sobretudo a música na qual encontrava correspondência com sua pintura.
Com o tempo e o reconhecimento de seu trabalho, Sacilotto transformou-se em um homem extremamente cordial e afetivo. No início, mesmo para um amigo como eu, era inimaginável receber um beijo de Sacilotto. E era assim, nos últimos anos, que ele recebia os amigos mais queridos.
Há dois anos, passamos a nos encontrar pelo menos uma vez por mês em torno de vinhos franceses, italianos, espanhóis, portugueses e do Novo Mundo. Eram reuniões organizadas por seu filho Valter. Contava sempre com a presença de Adamastor – outro filho – e amigos.
Sacilotto participava com satisfação. Nos últimos meses, só deixou de degustar duas vezes, por recomendação médica.
Estamos atônitos. Não sabemos se essas reuniões terão seqüência. Mas duas coisas são certas: se continuarem, nunca mais serão as mesmas e, de alguma forma, ele estará sempre presente.
Enock Sacramento é crítico de arte, autor de uma série de livros, entre eles ´Sacilotto